foto de embutidos

 

Carnes processadas entram no mesmo grupo de carcinogênicos que o cigarro

por Clarissa Pains / O Globo

26/10/2015 / Atualizado 27/10/2015

RIO - Carnes processadas como bacon, salsicha e linguiça ganharam um novo rótulo negativo ontem. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou esse tipo de alimento como causador de câncer, especialmente aqueles da região colorretal, que estão entre os mais diagnosticados no mundo. A partir de agora, as carnes processadas são consideradas carcinogênicas do grupo 1, mesma categoria em que se encontram o tabaco, a fumaça de diesel e o amianto. Isso não significa que comer esses alimentos seja tão nocivo quanto fumar, por exemplo, mas que ambos os produtos estão comprovadamente ligados à incidência de câncer.

Segundo o relatório, a ingestão diária de 50 gramas de carne processada, o equivalente a menos de duas fatias de bacon, aumenta em 18% o risco de desenvolver câncer no intestino, estômago e reto. A OMS define como carne processada “qualquer tipo de carne que tenha sido transformada com sal, fermentação ou defumação, para melhorar o sabor e preservar o alimento”. Isso inclui uma gama de itens frequentes na mesa do brasileiro: presunto, blanquet de peru, salsicha, linguiça, bacon e hambúrguer feito com carne moída e não fresca. Muitos desses produtos reúnem, além de carnes bovina e suína, ingredientes como sangue e vísceras.

FONTE DE VITAMINAS
A carne vermelha não processada, por sua vez, foi considerada “provavelmente cancerígena”, mas os indícios disso são menos claros, de acordo com a OMS. Por isso, o alimento foi listado no grupo 2A, aquele em que há possibilidade, mas não comprovação de que eles sejam carcinogênicos.

Para chegar a essa conclusão, um painel de 22 cientistas de dez países analisou mais de 800 estudos sobre a associação entre o consumo de carne vermelha e processada e o risco de sofrer 12 tipos de tumores. Organizado pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (Iarc, na sigla em inglês), ligada à OMS, o relatório se preocupa em não condenar o consumo de carne vermelha fresca, reconhecida fonte de proteínas, ferro, zinco e vitamina B12.

— A carne vermelha tem vitaminas do complexo B que não encontramos em outros alimentos, então é importante tê-la na dieta. Quem ingerir carnes pobres em gordura como chã e patinho até duas vezes por semana não estará aumentando seu risco de ter câncer — aconselha a nutricionista oncológica Patrícia Arraes, da Oncomed. — As carnes processadas, no entanto, conservam muito menos nutrientes do que as carnes vermelhas não processadas, como bifes. E, no processamento, há a adição de substâncias como os nitratos, que conservam o alimento mas que, dentro do estômago, são transformados em nitrosamina, potencialmente cancerígena.

A proteína processada, como ressalta a nutricionista, é mais barata do que a carne tradicional, o que aumenta o acesso da população. Mas outras importantes fontes de proteína, como arroz, feijão, grão-de-bico e ovo, ajudam a manter a dieta equilibrada e com menor necessidade de consumo de carnes.

O presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), Fábio Guilherme Campos, afirma que cortar da dieta carnes, processadas ou não, não garante imunidade ao câncer.

— Para o desenvolvimento desses tumores, o fator genético é mais importante do que qualquer outro. O que se pode fazer é moderar a ingestão de carne vermelha, evitar os processados e consumir muitas fibras e alimentos com Ômega 3. Ambos protegem o corpo contra o câncer, porque ajudam a diluir as substâncias cancerígenas da carne — recomenda ele. — Mas é preciso ter em mente que, mesmo fazendo isso, é possível que o câncer apareça. É importante começar a fazer colonoscopia aos 50 anos se não houver histórico familiar, e aos 40, se houver.

Além das carnes processadas, segundo ele, as de churrasco também são prejudiciais à saúde. A fumaça liberada pelo carvão faz com que o alimento fique impregnado de alcatrão, substância de alto potencial cancerígeno.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que, no Brasil, serão totalizados 32.600 novos casos de câncer colorretal ao longo deste ano. Destes, 15.070 acometerão homens, e 17.530, mulheres. Esse tipo de câncer é o segundo mais frequente em homens na região Sudeste (22,67 por 100 mil) e o terceiro na região Sul (20,43 por 100 mil), as duas áreas do país onde a ocorrência desse tipo de tumor é maior. Para as mulheres, esse câncer é o segundo mais frequente tanto no Sudeste (24,56 por 100 mil) quanto no Sul (21,85 por 100 mil). Entre os homens, o tumor colorretal fica atrás apenas do câncer de próstata, e entre as mulheres, do tumor de mama.

A nutricionista Sueli Couto, da unidade técnica de alimentação, nutrição e câncer do Inca, é taxativa: carnes processadas são dispensáveis.

— Elas formam um grupo de alimentos que não faria falta ao ser humano caso não existisse — afirma. — Quanto mais as pessoas se expõem a esse tipo de comida, mais risco correm.

Para a OMS, as conclusões do novo relatório são importantes para que os países consigam estabelecer um aconselhamento dietético equilibrado. O Ministério da Saúde não tem levantamentos sobre o consumo de carne processada ou de carne vermelha, mas ressaltou que incentiva, em seu “Guia Alimentar da População Brasileira”, a ingestão de alimentos frescos — frutas, carnes, legumes — e minimamente processados — arroz, feijão e frutas secas — e pede que sejam evitados os ultraprocessados, como macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e refrigerantes.

CONSUMO DE SUÍNOS SOBRE 26%

O Núcleo de Jornalismo de Dados do GLOBO compilou números de produção e consumo de carne suína, principal proteína usada na fabricação de carnes processadas.

Pelos dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é, atualmente, o quarto produtor mundial de carne suína. Em primeiro lugar vem a China, com 56 milhões de toneladas, seguida de União Europeia ( 22 milhões) e Estados Unidos (dez milhões). O Brasil produziu, em 2014, cerca de 3,4 milhões de toneladas. A estimativa dos produtores para este ano é de um novo aumento da produção no comparativo com o ano passado. Com isso, o país deve fechar 2015 com uma produção de 3,5 milhões de toneladas de carne suína.

O consumo por habitante também está em alta. Depois de cair cerca de 19% entre 2000 e 2005, o brasileiro passou a comer mais carne de porco no comparativo entre 2005 e 2014. Nesse período houve um crescimento de 26% no total de quilogramas consumidos por habitante, passando de pouco mais de 11 kg por habitante para 14,6 kg. A expectativa dos produtores de carne suína era um aumento ainda mais expressivo este ano, mas a crise econômica e a venda da carne de frango reduziram as estimativas.

Segundo ABPA, 85,8% da nossa produção atende ao mercado interno. Por aqui, 89% da carne suína produzida é industrializada, e apenas 11% vendida in natura. Os estados que mais produzem carne suína são Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná que ficaram, em 2014, com mais de 69% da produção nacional.

 

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