Nosso objetivo não deve ser achatar a curva: precisamos esmagá-la. Temos de eliminar definitivamente as mensagens contraditórias que confundem a população e desacreditam o ministro da Saúde
RIO - Estamos em guerra contra o coronavírus. E precisamos lutar para vencê-la. Com estas palavras se inicia o editorial publicado na primeira semana de abril no New England Journal of Medicine, a revista médica de maior prestígio mundial. O autor, o professor Harvey Fineberg, foi reitor da Escola de Saúde Púbica de Harvard e presidente da Academia Nacional de Medicina dos Estados Unidos. O texto, embora dirigido aos americanos, aponta um caminho a ser percorrido por toda comunidade mundial para a derrota definitiva da Covid-19 em dez semanas. São seis passos.
Fineberg reconhece o esfacelamento da economia enquanto milhões de vidas correm perigo. Identifica, entretanto, uma opção dominante, que limita simultaneamente as fatalidades e possibilita que a economia volte a crescer de forma sustentável. Nosso objetivo não deve ser achatar a curva: precisamos esmagá-la! Temos de identificar o inimigo, rastrear os seus movimentos e reconhecer as suas vulnerabilidades. Dessa forma, ao salvar vidas, a economia poderá ser reenergizada.
Os mesmos passos descritos por Fineberg deveriam ser adotados no Brasil.
1. Estabelecer um comando unificado. O presidente do país deve surpreender seus críticos e nomear um comandante que se reporte diretamente a ele. Esta pessoa deve ter a total confiança do presidente e merecer o crédito do povo brasileiro. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já nos representa. Ele é o nosso comandante. Como todos os médicos dedicados que arriscam as próprias vidas em hospitais desabastecidos, Mandetta não abandona o paciente. E, como o próprio Ministro da Saúde mencionou, o paciente é o Brasil. Defensor incondicional da vida, Mandetta defende e promove o distanciamento social como a forma mais eficaz para achatar a curva. Mas isso não será suficiente. Para esmagar a curva é preciso que ruídos incoerentes emitidos pelo presidente não ensurdeçam a população.
2. Oferecer milhões de testes diagnósticos. Não será possível testar toda a população como tem ocorrido na Coréia do Sul. Mas o país precisa se preparar para fazer milhões de testes diagnósticos nas próximas duas semanas. Sem testes diagnósticos, não é possível rastrear o vírus. Os laboratórios de pesquisa do país precisam ser fortalecidos para auxiliar na triagem populacional que deverá abranger todas as comunidades.
3. Fornecer aos profissionais de saúde proteção e equipar os hospitais para cuidar de um aumento no número de pacientes gravemente doentes. Soldados não seguem para a batalha sem o armamento adequado; nossos profissionais da saúde na linha de frente desta guerra não podem ser abandonados à própria sorte. Sem a proteção, os riscos de contaminação se multiplicam. Ao adoecer, os profissionais da saúde são afastados da batalha e, assim, nos aproximamos do colapso. Precisamos de respiradores, máscaras e capotes: a indústria nacional precisa ser mobilizada e adequada ao novo contexto. A manufatura de armamentos convencionais, por exemplo, deveria ser suspensa: não podemos eliminar o vírus com metralhadoras.
4. Diferenciar a população em cinco grupos e tratá-los em conformidade. Fineberg nos aponta uma questão extremamente relevante. Primeiro precisamos saber quem está infectado; segundo, quem está presumidamente infectado (ou seja, pessoas com sinais e sintomas consistentes com infecção mas que inicialmente testam negativo); terceiro, aquele que foi exposto ao vírus; quarto, aquele que não foi exposto ou infectado; e, finalmente, aquele que se recuperou da infecção e está imune. Devemos agir com base em testes capazes de detectar o RNA viral e identificar aqueles que pertencem a cada um dos quatro primeiros grupos. As formas graves da doença precisam ser tratadas de forma agressiva em UTIs enquanto enfermarias de isolamento para os menos comprometidos limitariam a transmissão aos familiares. A identificação do quinto grupo — aqueles que foram previamente infectados, se recuperaram e ficaram imunes é fundamental. A identificação de anticorpos neutralizantes dentre os integrantes deste quinto grupo pode permitir a utilização de plasma dos pacientes convalescentes como terapia para os mais críticos.
5. Inspirar e mobilizar o público. Neste esforço hercúleo, todos nós temos um papel importante a desempenhar. Precisamos reduzir o risco de exposição sem deixar de apoiar amigos e vizinhos. Inúmeras demonstrações de solidariedade revelam a essência na natureza humana e contribuem para a preservação da nossa saúde mental. Não podemos nos deixar abater por manifestações mesquinhas que nos envergonham como cidadãos, seja qual for a sua origem. O espírito de comunidade e a preservação da vida precisam prevalecer. Políticas sociais que facilitam o distanciamento social de moradores de comunidades mais pobres e a hospedagem gratuita de idosos nos hotéis do Rio de Janeiro são exemplos que devem ser seguidos.
6. Valorizar a ciência. Os médicos precisam de melhores indicadores preditivos da evolução do paciente. Cabe à ciência moldar a resposta à saúde pública e reativar a economia. E é por meio do conhecimento científico que uma vacina protetora será desenvolvida.
Finalmente, para derrotar o coronavírus, precisamos eliminar definitivamente as mensagens contraditórias que confundem a população e desacreditam o ministro da Saúde e sua estratégia no combate contra a Covid-19.
O tempo urge. O tempo é agora. São seis passos!
*Daniel Tabak é oncologista, hematologista e membro da Academia Nacional de Medicina